terça-feira, 12 de setembro de 2017

nos domínios do Endovélico: Terena - barragem de Lucefécit - Santuário da Boa Nova



Terena é uma pequena vila,  no concelho do Alandroal.  Fica numa zona elevada,  rodeada por planície alentejana e olivais.  Ao visitá-la ficamos com a sensação de que se encontra um pouco isolada,  pois quando olhamos a paisagem envolvente, debruçados nas muralhas do Castelo,  não avistámos outros centros urbanos.
Porém,  ao passear pelas ruas, sentimos o contrário: as casas cuidadas com plantas e flores à porta,  as pessoas que se encontram a meio caminho e param para conversar,  as esplanadas dos poucos cafés povoadas sem confusão.



Neste dia quente de Junho, o Castelo de Terena esperáva-nos abraçando o casario branco no cimo da Rua Direita.


Esta pequena fortaleza, em forma de pentágono, protegeu a fronteira desde o século XIV. As suas muralhas foram várias vezes reconstruídas ao longo do tempo.
Caminhámos lentamente no cimo da muralha, sob o sol abrasador.


Foi então que avistámos pela primeira vez a Barragem de Lucefécit, um braço de água perto do horizonte, entre a planície e um outeiro.


O recinto do Castelo estava coberto de uma vegetação seca que atravessámos para sair. Pela rua direita chegámos à Igreja de São Pedro. Flores coloridas surgiam junto das portas ou em pequenos canteiros esculpidos nas paredes. 


Três pessoas, numa pequena esplanada,  a da casa de Terena, cumprimentaram-nos. Havia um sossego acolhedor ali. Mais à frente, um homem parou de lavar o carro para conversar com o vizinho sobre o que ia ser o almoço. Chegamos à Igreja,  que encontramos fechada. Pintada de branco com a habitual faixa azul, cumpre o preceito e simplicidade da arquitectura popular alentejana.


Daqui fomos à procura de almoço.  Num primeiro café que encontrámos disseram-nos que não serviam refeições, mas indicaram - nos outros sítios onde poderíamos almoçar.
Procurámos o que ficava mais perto e rapidamente demos com ele. O "Botas", uma junção de snack bar, mercearia e restaurante.


Habitualmente serve refeições de gastronomia típica. Neste dia pudemos provar um prato alentejano muito conhecido: a sopa de beldroegas. Além das beldroegas, esta sopa leva queijo de cabra, batatas cozidas e ovo.



Enquanto comíamos reparámos que algumas pessoas compravam refeições para levar,  em vez de comer no restaurante.
Depois de almoço iniciámos a caminhada nos domínios de Endovélico, um deus pré-romano,  cujo culto remonta à Idade do Ferro e que persistiu após a invasão romana,  tornando-se mais popular na Península Ibérica. A seis kms de Terena, no monte de S. Miguel da Mota, existiu um templo dedicado a esta divindade, construído pelos romanos. Esta rota não passava por lá e já lá tínhamos ido há uns anos atrás, por isso não o visitámos desta vez.
Adorado sobretudo na Lusitânia,  Endovélico era Deus da cura, da medicina,  da terra e protector da vida após a morte. Descobrimos que actualmente ainda se presta culto a Endovélico, uma devoção que poderá ter renascido com os movimentos neo-pagãos.  No solstício de Verão e na lua cheia de Julho decorrem, no concelho do Alandroal, vários eventos culturais e turísticos relacionados com este Deus.
Estava um dia muito quente. O calor parecia exalar da planície que nos ladeava. Caminhámos nesta paisagem,  deixando Terena para trás. De longe,  avistámos mais uma vez o Castelo encaixado no casario. 


Levámos toda a tarde para atravessar aquele mar dourado.



Azinho, sobreiro, esteva, acompanharam-nos sempre. 





Descansámos várias vezes e comemos à sombra destas árvores.




Conhecemos um sobreiro  gigante perto da aldeia de Hortinhas. 


Caminhámos cerca de meia hora por um caminho errado porque seguimos as marcas de outro percurso. Íamos em passo apressado quando nos demos conta do erro.  Voltámos tudo para trás até à estrada onde tomámos o caminho certo.


O calor incomodava e tínhamos pouca água. Felizmente estávamos quase a chegar à barragem de Lucefécit e Terena surgia novamente no horizonte.





Achámos invulgar e estranho o nome da barragem. Só nos fazia lembrar Lúcifer. Depois confirmamos que Lucefécit tem origem na palavra Lucifer, sendo que também lhe é atribuída uma origem àrabe: "oucif", que significa "negro".


Começava a entardecer. A água da barragem reflectia a luz dourada do sol poente.  Nas margens verdejantes pastavam vacas e ovelhas. 



As flores do aloendro balançavam suavemente ao sabor do vento. Estávamos muito cansados.  Depois de passar a ponte, sentámo-nos uns minutos a olhar a água e a comer os últimos frutos secos que tínhamos trazido. Depois levantámo-nos lentamente e em passo arrastado fomos ver as comportas.



Preparados para a última etapa do caminho, recomeçámos a andar.  Avistámos do lado direito uma casa com umas bandeiras e vários carros estacionados. Pensámos que talvez se tratasse de um restaurante. Decidimos ir até lá para ver o que era e comprar água. Felizmente tínhamos acertado: era o restaurante Herdade dos Barros. Pedimos uma garrafa de litro e meio de água e ficámos no bar mais de meia hora.  Na TV passavam os habituais programas da tarde, com uma sucessão de cantores populares e multidões em festa. Fomos conversando. Quando nos sentimos com coragem, levantámo-nos, pedimos para encher com água as garrafas vazias que trazíamos na mochila e fizemo-nos ao caminho.


Começámos por visitar a Ponte Velha de Terena sobre a Ribeira de Lucefecit (foi a ribeira que deu o nome à barragem). Esta ponte, a 1,5 Km de Terena, foi construída no séc XVI e fazia parte da via que ia para Espanha. Não nos demorámos muito.



Agora a principal preocupação era percorrer o que faltava do caminho ainda com luz.
Seguimos pela estrada. Depois caminhámos junto a uma vinha, já no sopé do monte onde está o Castelo de Terena.



Mas ainda não íamos regressar à vila. Queríamos primeiro visitar o mítico santuário de Nossa Senhora da Boa Nova. Para isso percorremos uma estrada de terra batida, com cerca de um km, ladeada por levadas com água corrente e campos de milho.




Não é habitual ver milho por estes lados. Era um campo extenso, de folhas verdejantes com regadio automático.
Chegámos ao santuário à noite, por volta das 20h. Estava fechado.  Perguntámos na casa em frente se ainda era possível visitar.  Disseram-nos que não, só no dia seguinte até às 18h.
Ficámos por ali algum tempo a olhar para aquela Igreja tão estranha em forma de fortaleza e a matutar numa solução: voltaríamos noutro dia, dentro do horário de abertura.
No dia seguinte já lá estávamos às 15h.


A Igreja estava fechada, mas devíamos pedir a chave na casa em frente. Apareceu logo uma senhora com um cão afável a segui-la. Abriu-nos a porta do templo e sentou-se,  dizendo que podíamos ver à vontade. Logo à entrada estava um aviso: não era permitido fotografar. Contentámo-nos então em ler o guia e ver apenas. Esta igreja foi construída no séc XIV. Além da sua invulgar aparência de fortaleza com elementos da arquitectura militar, o interior também surpreende por estar repleto de pinturas: nas paredes estão representados vários santos de devoção popular e, na abóbada, imagens do apocalipse de S. João. Surgem ainda, perto do altar, imagens de oito reis portugueses. A imagem de N. Sra. da Boa Nova está no centro do retábulo-mor. É muito bonita, com um vestido branco luminoso e longos cabelos negros (podem ver-se imagens na página FB).  Outro aspecto muito curioso é o facto de encontrarmos nesta Igreja campas e aras votivas do Deus Endovélico que vieram do Templo de S. Miguel da Mota.
Depois da visita conversámos um pouco com a senhora que tinha ficado à nossa espera na entrada da Igreja. Entre outras coisas, lamentou-se o facto deste monumento (classificado como monumento nacional), tão importante e único, precisar de obras de restauro.
A cadelinha Luna dormia um sono profundo. Saímos todos e despedimo-nos.
Existe uma grande devoção à Nossa Senhora da Boa Nova e uma importante romaria que se realiza oito dias após a Páscoa.  A imagem percorre as ruas da vila de Terena, num percurso de ida e volta à Igreja de São Pedro. Entretanto, a vila fica em festa durante quatro dias.
Estava muito calor. Enquanto tirávamos mais umas fotografias,  chegaram duas pessoas,  uma avó e um neto, talvez, que acenderam duas velas pátio.
A nossa visita a Terena tinha terminado. Fomos para o carro e combinámos que só no fim do Verão voltaríamos a caminhar na planície alentejana.


terça-feira, 5 de setembro de 2017

Rota da aldeia da Amieira à aldeia de Alqueva

Fomos conhecer o limite sul do distrito de Évora numa caminhada épica entre as duas aldeias mais características do território de Alqueva: as aldeias de Amieira e de Alqueva.
Começámos na Amieira,  junto ao cais fluvial. Percorremos o passadiço de madeira que liga à aldeia.



Aqui deambulámos pelas ruas,  fizemos uma paragem para beber um café e visitámos a capela de São Romão, com um retábulo representando o nascimento de S. João Baptista.



O local onde actualmente se situa esta aldeia denominava-se, no séc XVIII, Aldeia dos Barbudos e a Sé da Paróquia encontrava-se num local próximo, onde se encontra a Igreja Paroquial de  Nossa Senhora das Neves.
É uma aldeia de casas térreas brancas, decoradas com as habituais faixas coloridas e flores nas janelas.



As ruas são sossegadas,  sendo nos cafés e no Largo 1º de Maio que se concentra o público masculino.



É possível arrendar várias casas recuperadas que estão espalhadas pela aldeia.
Saímos pela rua que desemboca na praça de touros, e caminhámos cerca de 3 kms pela estrada até à Marina da Amieira.  Esta parte do percurso foi um pouco monótona,  por decorrer em estrada, além do tempo já ter começado a aquecer.



Quando chegámos à Marina ficámos surpreendidos pela quantidade de pessoas que lá se encontravam.



Percebemos que estava a decorrer uma prova de natação com equipas de vários pontos do país. O restaurante estava cheio, tal como a esplanada da cafetaria,  por isso fomos para a beira da água comer o nosso lanche.


Os nadadores iam desfilando à nossa frente, bem como canoas e barcos de apoio. Por fim,  bebemos um café, retrocedemos um pouco e iniciámos uma longa caminhada ao longo da margem direita da Albufeira em direcção às Antas da Torrejona.




Pelo caminho identificámos várias espécies da flora mediterrânica,  como a esteva e o cravo romano.


Também visitámos as Antas da Torrejona, monumentos funerários do neolítico que ficam num local muito bonito e calmo, junto às margens da albufeira. Parámos aqui para descansar com vista para a água e para as pequenas ilhas.




Eram já quase 17h quando retomámos a caminhada,  para uma segunda parte do percurso em direcção à aldeia de Alqueva.



Nesta secção, depois de caminharmos durante mais algum tempo à beira da água, o percurso afastou-se das margens e percorreu uma série de lombas ocupadas por montado de azinho e sobro.





Após descer a encosta,  contornámos uma sucessão de braços de rio que serpenteavam ao longo dos vales encaixados.



Junto à Herdade da Malanda,  atravessámos a Ribeira de Codis e iniciámos a subida para a aldeia de Alqueva.




As referências ao povoamento deste território remontam aos finais do século XIII, sendo o lugar designado por Alqueive, que significava terrenos de pousio ou desertos, devido às altas temperaturas estivais, à qualidade dos solos e à ausência de água.


Com a construção da barragem, o panorama alterou-se e, na actualidade, a aldeia dá nome ao maior lago artificial da Europa.